[RP FECHADA] Bad Meal - 01/08/2015

An Bad Meal

A enfermaria era muito mais desconfortável do que Elijah supôs que seria. Levado pela desilusão de momentos agradáveis enquanto se recuperava de um nocaute, passara por maus bocados esperando algum tipo de tratamento especial ou no mínimo satisfatório. Ao perceber que veria o curandeiro não mais que uma vez no dia - o único momento em que lhe fora oferecido o néctar dos deuses -, permitiu-se levantar após sentir uma melhora no olho.

O hematoma, antes roxo, pouco deixava sinais de que um dia havia existido; ainda que um inchaço fosse bem visível, comprimindo as pálpebras direitas e obrigando Elijah a fechar o olho, se não quisesse sentir uma dor persistente no glóbulo ocular. Fatigado com dores musculares (que ele viria a descobrir, posteriormente, ser as menores que sentira durante a semana de treinamento), dirigiu-se direto até o pavimento do refeitório, obrigando a indagar-se mentalmente o momento em que voltaria a encontrar sua instrutora de artes marciais, e melhor: quando seria capaz de devolver, se possível, o dobro de dores que ela causara em si.

Invadiu o pavimento do refeitório a passos lentos enquanto os demais já almoçavam, e aproximou-se furtivamente da mesa reservada para os indefinidos do camping. Um enorme valor quantitativo destes, naquele momento, se fazia presente durante a degustação vespertina que, no dia anterior, havia ousado pular. Selecionou um assento aleatório e sentou-se, dominado pelo desejo incessante de devorar qualquer coisa que estivesse à sua frente.

O tempo que decorrera na enfermaria, afinal, impedira o rapaz Mountbattën de realizar suas refeições durante o dia inteiro, visto que havia pulado o desjejum e limitara-se a comer somente uma maçã antes de desmaiar. Seu estômago estava embrulhado de tanta fome, o que obrigou o semidivino a empunhar, sem o mínimo de classe, um garfo disposto ao lado do prato já servido. Sequer parou para observar o que era: mais parecia um bolinho de arroz enrolado em algas, não reconhecendo sua cultura nem possuindo ideia do que era.

Perfurou a refeição com as pontas do talher e levou à boca, urgentemente, pouco suspeitando de que estava prestes a ingerir comida japonesa. Ao degustar o arroz frio contra o paladar, sentiu o pouco de digestão que ainda continha em seu estômago subindo-lhe à garganta. Inclinou o corpo sobre a mesa e cuspiu o arroz "mascado" de volta para o prato, fazendo caretas que se comparavam à de dores e anestesia muscular.

Um riso vindo do lado adjacente à sua mesa captou-lhe a atenção, fazendo com que Mountbattën levasse a mão ao rosto antes que fosse visto fazendo aquelas expressões de pura repugnância. Não havia, no mundo, comida tão ruim quanto a fabricada no oriente; isso era fato para o paladar de Elijah. E as caretas que fazia ao provar aquilo... "Bolas do Satã". Não conseguiu encontrar em seu vocabulário uma definição melhor para os rolinhos de arroz que, por boatos, era conhecido comumente por sushi. Riu ao ouvir o comentário depreciativo do outro indefinido, deslizando a mão para até a orelha após se livrar dos impulsos iniciais. — É, eu também. — Confirmou.

Quase que instantaneamente, tateou com a canhota à procura de um copo, que teve seu conteúdo preenchido por coca diet magicamente. Levou-o até os lábios, buscando livrar-se da amargura em sua boca. — E eu até que entraria em um processo legal, se os cozinheiros não fossem nós mesmos. — Disse. — Isso é... A comida que queremos é materializada quase sempre nos nossos pratos. Meu nome é Elijah e... Prazer — Disse, parando um segundo para analisar os traços do outro. Atraente.

— Quer um sushi? — Rapidamente ofereceu, engarfando uma porção. — Eu não vi que era comida japonesa, comida do capiroto. Definitivamente não irei comer isso. E eu não sei usar palitinhos. — ergueu o garfo, apoiando o cotovelo na mesa. — Se em troca você me disser o que é essa muçiroca aí. — gesticulou para o prato do outro, demonstrando um pouco de interesse nele; com um sotaque sulista e um pouco "caipira", embora já estivesse acostumado ao modo de falar dos campistas.

an bad meal

Mountbattën ouviu seu nome ser repetido nos lábios de Elvis como num mantra, o que instigou a curiosidade do mais velho. A empatia exalava do jovial, que por sua vez possuía uma facilidade surpreendente em puxar assunto de coisas tão banais. Não menos imerso na conversa, o indefinido permitiu-se desatar a falar como que se já partilhasse uma certa intimidade com Elvis, vendo que o mesmo não apreciava as iguarias orientais assim como Elijah.

— Eu já tenho a minha. — Disse, gesticulando com o copo na mão canhota, e referindo-se à bebida oferecida pelo rapaz. Voltou a depositar o bolo de arroz no prato enquanto mantinha-o engarfado pelo talher, empurrando-o para a direita à mercê de quem quisesse experimentar. Voltou o olhar para a companhia, levando a bebida até a boca, para lavar o gosto estranho e amargurado que ainda atormentava seu paladar.

Após o gole, ouvindo atento os comentários de Elvis, depositou o recipiente vazio sobre a mesa e passeou a língua pelos lábios. Ao voltar a prestar atenção no indefinido, deparou-se com um sorriso estonteante que fez Elijah perder o foco. — Anh... — Fixou o olhar em sua boca, não entendendo direito a atração repentina. — Estou no camp há três... Não, dois dias. E tão perdido quanto. Aliás, já deveria ter percebido que estou sentando na mesa do chalé de Hermes como você, e me diga: eu tenho cara de ladrão? — Recuperou a linha de pensamento, e levou a mão destra à nuca ao passo em que forçava um sorriso para disfarçar os pensamentos.

— E eu venho de uma fazenda perto do camping. Bem... Não tão perto assim, mas nessa área rural de Long Island. Morei com minha mãe e meio-irmã lá até agora. Acham estranho eu nunca ter sido atacado nesse meio-tempo, até me associam como mortal demais. — falou, sem filtrar o que revelava e, ao perceber isso, engolindo em seco. — Nada de surpreendente.

Então suspirou. Olhou para Elvis e, com um pouco de cinismo, abriu um sorriso. — Não deve demorar muito. Pra mim me é bem aparente de quem você é filho. — Disse numa brincadeira, e voltou a tomar um gole de sua coca diet recém-magicamente-preenchida. — Talvez a deusa da beleza? — Comentou, avulso, em um meio-elogio inocente e sem malícias. Não se lembrava do nome da divindade em si, portanto limitou-se a dizer sua esfera de poder; e nessa brincadeira, acabou por acreditar que talvez fosse possível. Não conhecia muitos garotos como aquele, e ele era encantador.

Às vezes costuma-se concluir que aparências enganam. São deduções vindouras de experiências – mas com Elvis, mesmo que levemente assomado por clichês inevitáveis, há algo que o define definitivamente: sua jovialidade, sua lábia quase que puramente sexual. E sua beleza. Desde que pisoteou no chalé de Hermes dizem-lhe que Afrodite é sua mãe — mas ele evita criar expectativas ou aceitar algo que se trata puramente de dedução a partir de sua aparência.

Sua trajetória com amor é de discrepâncias; jogado ao mundo sexual precocemente, não acredita que o amor pode ser o que idealizam como puro, como o bem-querer psicológico um do outro. Estar perto, num abraço ou num turbilhão de palavras dóceis, serenas, ecoando nas vias auditivas do amado. Para o moreno, trata-se de sexo. Do contato. De um porquê para estar próximo, do desenvolver de toques, você se vê viciado e este vício não lhe é mal, sendo apenas a confirmação de que precisa-se do próximo. Este é o amor para ele.

O rodeio inteiro para concluir que: (1) se for realmente progênie de Afrodite, será um diferente e (2) será?

— Amigo, se você é ladrão eu não sei. Sei que temos aqui um fazendeiro! Adoro fazendeiros.

Elvis declina o olhar, sua lata de Coca-Cola vazia jazendo esquecida por sobre a madeira da mesa. Sua voz é dócil, algo que está em seu ser desde que se entende por menino. Seu olhos azuis se perdem e logo reencontram-se colados nos lábios de Elijah, uma mania sua que, querendo ou não, o define. Ao invés de olhar nos olhos para identificar emoção, eloquência ou mentira, olha diretamente aos lábios, no movimento da superfície em relevo, da língua úmida permitindo que as palavras formadas se livrem do interior e vão para ouvinte. Divagando, Elvis sorri, cortando todo o seu espírito que paira e focando enfim ao que se desenvolve como uma prosa saudável.

Quer beijá-lo porque Elijah é bonito e é misterioso. Elvis quer encostar seus lábios e dançar com sua língua no pequeno mundinho que é o interior bocal porque se trata de um adolescente no ápice dos hormônios que encontrou alguém que o atraia. Todavia, não diz, mesmo que seu olhar o denuncie facilmente. — Queria deduzir de quem você é filho, mas não dá. Você é bonito, será que, supondo que eu venha da deusa do amor, é um meio-irmão meu? — Para quem for sua mãe: não o deixe ser meio-irmão. Elvis agradece.

an bad meal

Com algumas expectativas intensificadas conforme aguardava uma resposta de Elvis a sua afirmação, Elijah deslizou o indicador canhoto pela massa de sushi que certamente não comeria aquele dia. Algo em sua pergunta pareceu levar o outro jovem a divagações rápidas, e à isso ele não respondeu de imediato. O semideus trouxe à tona, com um pingo de extroversão, o fato de Elijah ter sido fazendeiro e, nisso, adicionar um "adoro fazendeiros" que por muitos pareceu desviar a atenção do garoto.

Estava prestes a perguntar, certo de que havia sido uma cantada sutil e bem posicionada, mas interrompeu sua linha de pensamento ao ver o garoto observando-o como um pedaço de carne pronto para ser servido. Caso não estivesse, ainda, óbvio, Elvis parafraseou todo seu interesse ao dizer que Elijah também seria filho da deusa do amor. Aquilo desencadeou uma série de risos que, aos poucos, se tornara uma gargalhada contida e quase sem sentido.

Se divertindo com sua situação, ainda que ruborizado sem perceber, passeou a mão pelo cabelo e abriu um sorriso de orelha-a-orelha. — Você deve estar brincando! — Disse. Referindo-se, claro, à afirmação do garoto. — Tudo bem. Espere... — Mais alguns risos contidos. Colocou a mão sobre os lábios e respirou fundo. — Okay.

— Você provavelmente está enganado. Além de eu ter uma mãe, e eu creio ser biológica, e nunca ter conhecido meu pai, sou um completo fracasso no quesito de relações. Já fui algumas vezes à cidade grande, já estudei lá por dois anos quando era menor. Não. Nada. Ninguém, nenhum amigo. Apenas minha mãe e irmã. — Por mais que aquilo parecesse triste, Elijah continuou com o sorriso, indiferente ao fato de nunca ter tido qualquer amizade. — Isso te torna a primeira pessoa com quem converso há anos. — Permitiu-se desviar o olhar e então soltar um bocejo, espreguiçando-se.

— Pode se considerar privilegiado. — Brincou, piscando e confortando-se no assento.